Tudo começou algumas
semanas antes do show. Coincidentemente, assim que foi anunciado no
SESI-Birigui, o Marcelo Costa publicou no Scream & Yell algumas
considerações sobre Volta, o disco de 2012 da Ana Cañas, que eu lamentavelmente
tinha deixado passar. Fui, então, ouvir o trabalho, achei incrível, o
equilíbrio exato entre a elegância do primeiro disco e a veia pop do segundo.
Até que chegou o dia do show. Pra quem não sabe, moro em
Araçatuba, mais ou menos 10km distante de Birigui. O esquema de shows e peças no
SESI é o seguinte: os ingressos começam a ser distribuídos uma hora antes do
início da apresentação, ou seja, show marcado para 20h, retirada das entradas a
partir das 19h.
Por conta da correria consegui chegar às 19h20 e não havia
mais lugares entre os 250 que o teatro comporta (soube que tinha gente por lá
desde às 17h30). Tive que me contentar com uma estrutura que o SESI montou ao
lado do teatro, com um telão mostrando o show. A princípio foi uma broxada
colossal, pra quem esperava ver a cantora com todo o intimismo que um show em
teatro sugere, tive que me contentar com uma espécie de Live Stream do You Tube
em tamanho maior.
Por conta de todo esse desencontro tive até dúvidas se
escreveria algo sobre o show, com medo de soar como aquelas resenhas cheias de
propriedade escritas por quem prestigiou um evento diretamente do sofá da sala.
Mas mesmo com todas as adversidades acredito que a experiência vale ser
destacada.
Aqui cabe um elogio a pessoa que operava a câmera destinada
a transmitir as imagens para o telão. Mesmo com um único equipamento, o show
foi transmitido com a sensibilidade de quem sabia o que se passava no palco.
Movimentos espertos, atenção aos detalhes e closes generosos na bela cantora.
No palco, Ana Cañas já surgiu arrancando suspiros. Se o
corpo estava coberto por um longo vestido preto que ia até os pés descalços,
uma fenda destacava a pele branca, assim como o forte batom vermelho.
A primeira música, “Urubu Rei”, teve seu primeiro verso
cantado à capela, para logo depois entrar uma guitarra ruidosa, tocada pela
própria Ana Cañas. A voz saía límpida das caixas de som, a dinâmica ficava
ainda mais evidente com o trabalho do competente power trio
baixo-guitarra-bateria que acompanha a cantora.
O repertório foi composto quase que completamente por
músicas do disco de 2012. Fugindo dessa regra, a terceira do show foi “Pra Você
Guardei O Amor”, que alcançou grande sucesso com Nando Reis e participação da
própria Ana Cañas. Na apresentação ela apareceu em uma versão com acento folk,
contida nos versos e explosiva nos trechos instrumentais. Foi a primeira
cantada em coro na noite.
Quando “Todas As Cores” e “Difícil” pareciam ter levado o
show definitivamente para uma agradável leveza pop, a cantora foi para o canto
do palco se posicionou quase que de costas para o público e cantou “No Quiero
Tus Besos” e “Stormy Weather”, clássico do jazz cantado por Billie Holiday e
vários outros artistas. Ali, depois da intensidade dessas duas músicas, ficou
claro que no palco havia de fato uma entrega, não apenas mais uma cantora de
MPB mais preocupada em ser cult-diva-descolada ou qualquer outro rótulo. Ressaltando,
justificando e reforçando que tudo isso podia ser (e foi) notado por um telão a
cerca de 10 metros
de onde a cantora estava de fato.
Os momentos mais intensos no palco eram diametralmente
opostos, além da parte mais intimista e dramática citada acima havia os
momentos mais pesados, como no blues rock “Diabo” com um final caótico e
dissonante e na versão surpreendente de “Rock’n Roll” do Led Zepellin (as duas
também do Volta). Como citei essa semana no twitter, poucos artistas têm
culhões para se arriscar em versões corajosas (e felizmente boas) de Led
Zepellin e Bob Dylan (no primeiro disco ela regravou “Rainy Day Women #12 & 35” ).
No repertório, além dos covers gravados em discos (“Stormy
Wheater”, “Rock’n Roll”), ainda teve “Codinome Beija-Flor” e “Blues da Piedade”
(Cazuza, essa última com direito a uma provocação ao deputado Marco Feliciano),
“Metamorfose Ambulante” (Raul Seixas), “Escândalo” (Caetano Veloso, mas cantada
por Ângela Ro Rô), “Mulher O Suficiente” (Alzira Espíndola, cantada por Tetê
Espíndola), “Retrato Em Preto E Branco ”
(Chico Buarque e Tom Jobim) e “Com A Boca No Mundo” (Rita Lee). Todas muito bem
executadas, mas fico pensando se valeu a pena
tocar 7 covers e deixar de fora do repertório ótimas músicas dos dois
primeiros discos.
A única música além das do último disco e dos covers foi “Esconderijo”,
do disco Hein?. Por muitos era a música mais esperada, foi tocada no bis, em
clima de roda de violão, com coro da plateia, bonito. “Com A Boca No Mundo”
fechou o show em alta, com peso e com direito a citação de “I Can´t Get No” no
final.
Com o repertório definitivamente terminado, o que se via no
palco era a figura esguia de Ana Cañas descabelada, com a maquiagem borrada,
aparentemente exausta e feliz. A entrega, citada mais acima, era evidente. No
Brasil, onde temos um histórico de cantoras como Elis Regina, Gal Costa e tempos
depois Cássia Eller, que se acabavam no palco, expunham as entranhas em
apresentações viscerais, ver a jovem e linda Ana Cañas é um grande alento.
Ficou a certeza de que não foi apenas “uma apresentação em uma cidadezinha do
interior”, e sim um SHOW, com letras maiúsculas e emoção a flor da pele, como
todo show deve ou deveria ser, mesmo visto por uma tela a 10 metros do palco.
Fotos internas: Ana Araripe
Foto externa: Renata Santos
Fotos internas: Ana Araripe
Foto externa: Renata Santos
Setlist (se não me falha a
memória)
01
- Urubu Rei
02
- Será Que Você Me Ama
03
- Pra Você Guardei O Amor
04
- Codinome Beija-Flor
05
- Todas As Cores
06
- Difícil
07
- No Quiero Tus Besos
08 - Stormy Weather
09 - L'Amour
10 - Rock'n Roll
11 - Escândalo
12
- Volta
13
- Diabo
14
- Metamorfose Ambulante
15
- Blues Da Piedade
16
- Mulher O Suficiente
Bis
17
- Retrato Em Branco E Preto
18
- Esconderijo
19
- Com A Boca No Mundo
3 comentários:
Meus parabéns, cheguei ao teatro as 6pm e sentei na segunda fileira, e concordo com absolutamente tudo o que disse. Foi incrível. Parabéns pela fiel descrição, belo texto.
Opa, valeu, cara! O show foi realmente muito inspirador!
Ótimo post, pra variar. Fiquei mais triste ainda de não ter ido ao show. :(
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