domingo, 28 de abril de 2013

Ana Cañas "quase ao vivo" em Birigui


Tudo começou algumas semanas antes do show. Coincidentemente, assim que foi anunciado no SESI-Birigui, o Marcelo Costa publicou no Scream & Yell algumas considerações sobre Volta, o disco de 2012 da Ana Cañas, que eu lamentavelmente tinha deixado passar. Fui, então, ouvir o trabalho, achei incrível, o equilíbrio exato entre a elegância do primeiro disco e a veia pop do segundo.

Até que chegou o dia do show. Pra quem não sabe, moro em Araçatuba, mais ou menos 10km distante de Birigui. O esquema de shows e peças no SESI é o seguinte: os ingressos começam a ser distribuídos uma hora antes do início da apresentação, ou seja, show marcado para 20h, retirada das entradas a partir das 19h.

Por conta da correria consegui chegar às 19h20 e não havia mais lugares entre os 250 que o teatro comporta (soube que tinha gente por lá desde às 17h30). Tive que me contentar com uma estrutura que o SESI montou ao lado do teatro, com um telão mostrando o show. A princípio foi uma broxada colossal, pra quem esperava ver a cantora com todo o intimismo que um show em teatro sugere, tive que me contentar com uma espécie de Live Stream do You Tube em tamanho maior.

Por conta de todo esse desencontro tive até dúvidas se escreveria algo sobre o show, com medo de soar como aquelas resenhas cheias de propriedade escritas por quem prestigiou um evento diretamente do sofá da sala. Mas mesmo com todas as adversidades acredito que a experiência vale ser destacada.


Aqui cabe um elogio a pessoa que operava a câmera destinada a transmitir as imagens para o telão. Mesmo com um único equipamento, o show foi transmitido com a sensibilidade de quem sabia o que se passava no palco. Movimentos espertos, atenção aos detalhes e closes generosos na bela cantora.

No palco, Ana Cañas já surgiu arrancando suspiros. Se o corpo estava coberto por um longo vestido preto que ia até os pés descalços, uma fenda destacava a pele branca, assim como o forte batom vermelho.

A primeira música, “Urubu Rei”, teve seu primeiro verso cantado à capela, para logo depois entrar uma guitarra ruidosa, tocada pela própria Ana Cañas. A voz saía límpida das caixas de som, a dinâmica ficava ainda mais evidente com o trabalho do competente power trio baixo-guitarra-bateria que acompanha a cantora.

O repertório foi composto quase que completamente por músicas do disco de 2012. Fugindo dessa regra, a terceira do show foi “Pra Você Guardei O Amor”, que alcançou grande sucesso com Nando Reis e participação da própria Ana Cañas. Na apresentação ela apareceu em uma versão com acento folk, contida nos versos e explosiva nos trechos instrumentais. Foi a primeira cantada em coro na noite.



Quando “Todas As Cores” e “Difícil” pareciam ter levado o show definitivamente para uma agradável leveza pop, a cantora foi para o canto do palco se posicionou quase que de costas para o público e cantou “No Quiero Tus Besos” e “Stormy Weather”, clássico do jazz cantado por Billie Holiday e vários outros artistas. Ali, depois da intensidade dessas duas músicas, ficou claro que no palco havia de fato uma entrega, não apenas mais uma cantora de MPB mais preocupada em ser cult-diva-descolada ou qualquer outro rótulo. Ressaltando, justificando e reforçando que tudo isso podia ser (e foi) notado por um telão a cerca de 10 metros de onde a cantora estava de fato.

Os momentos mais intensos no palco eram diametralmente opostos, além da parte mais intimista e dramática citada acima havia os momentos mais pesados, como no blues rock “Diabo” com um final caótico e dissonante e na versão surpreendente de “Rock’n Roll” do Led Zepellin (as duas também do Volta). Como citei essa semana no twitter, poucos artistas têm culhões para se arriscar em versões corajosas (e felizmente boas) de Led Zepellin e Bob Dylan (no primeiro disco ela regravou “Rainy Day Women #12 & 35”).

No repertório, além dos covers gravados em discos (“Stormy Wheater”, “Rock’n Roll”), ainda teve “Codinome Beija-Flor” e “Blues da Piedade” (Cazuza, essa última com direito a uma provocação ao deputado Marco Feliciano), “Metamorfose Ambulante” (Raul Seixas), “Escândalo” (Caetano Veloso, mas cantada por Ângela Ro Rô), “Mulher O Suficiente” (Alzira Espíndola, cantada por Tetê Espíndola), “Retrato Em Preto E Branco” (Chico Buarque e Tom Jobim) e “Com A Boca No Mundo” (Rita Lee). Todas muito bem executadas, mas fico pensando se valeu a pena  tocar 7 covers e deixar de fora do repertório ótimas músicas dos dois primeiros discos.

A única música além das do último disco e dos covers foi “Esconderijo”, do disco Hein?. Por muitos era a música mais esperada, foi tocada no bis, em clima de roda de violão, com coro da plateia, bonito. “Com A Boca No Mundo” fechou o show em alta, com peso e com direito a citação de “I Can´t Get No” no final.



Com o repertório definitivamente terminado, o que se via no palco era a figura esguia de Ana Cañas descabelada, com a maquiagem borrada, aparentemente exausta e feliz. A entrega, citada mais acima, era evidente. No Brasil, onde temos um histórico de cantoras como Elis Regina, Gal Costa e tempos depois Cássia Eller, que se acabavam no palco, expunham as entranhas em apresentações viscerais, ver a jovem e linda Ana Cañas é um grande alento. Ficou a certeza de que não foi apenas “uma apresentação em uma cidadezinha do interior”, e sim um SHOW, com letras maiúsculas e emoção a flor da pele, como todo show deve ou deveria ser, mesmo visto por uma tela a 10 metros do palco.

Fotos internas: Ana Araripe
Foto externa: Renata Santos


Setlist (se não me falha a memória)

01 - Urubu Rei
02 - Será Que Você Me Ama
03 - Pra Você Guardei O Amor
04 - Codinome Beija-Flor
05 - Todas As Cores
06 - Difícil
07 - No Quiero Tus Besos
08 - Stormy Weather
09 - L'Amour
10 - Rock'n Roll
11 - Escândalo
12 - Volta
13 - Diabo 
14 - Metamorfose Ambulante
15 - Blues Da Piedade
16 - Mulher O Suficiente

Bis

17 - Retrato Em Branco E Preto
18 - Esconderijo
19 - Com A Boca No Mundo