quarta-feira, 25 de março de 2009

Radiohead e o caminho dos céus

O que caracteriza um show como bom?

Repertório? Execução? Presença de palco? Animação?

Pegue tudo isso e junte ao fato da banda em questão ser fundamental desde os anos 90 até hoje, e a turnê ser de um dos álbuns mais importantes da década de 00. Essa foi a passagem do Radiohead por São Paulo no último dia 22.

Os ingleses foram a atração principal do festival Just a Fest, que contou ainda com Los Hermanos e Kraftwerk (sobre a [des]organização do festival e a respeito dos outros dois shows posto depois por aqui ok?)






Radiohead, no alto de sua esquisitice e postura anti-mainstream, tem sim fãs fanáticos. Daqueles que choram, esperneiam, chamam os integrantes de lindos (sim, é verdade, eu vi). A relação da banda, via show, com os fãs, obcecados ou não, é algo próximo a uma experiência religiosa transcendental.

Às 22h, pontualmente, conforme constava na programação, reverendo Thom Yorke entra em cena e dá início ao culto. O primeiro cântico é 15 Step. A batida psicótica já quase exorciza os fiéis de cara, mas eles tinham plena consciência que o ritual estava apenas começando.

There There e sua batida tribal atestavam que a empolgação do público não acabaria tão cedo. O guitarrista Johnny Greenwood , que entrou no palco com um abrigo de toca na cabeça feito um monge, espancava seu aparelho de percussão de forma ensandecida, quase roubando a cena de Yorke, mas a tarefa não era tão fácil assim, e embate de egos era algo que passava longe daquele palco.

Em The National Anthem, a comunidade radioheadiana sacolejava como se não existisse pecado naquela noite. A iluminação do palco, formada por espécies de estalactites (ou seriam estalagmites?) luminosas, nesse momento pulsava como se o mundo fosse acabar ali, aquela hora.

All I Need, Pyramid Song e Karma Police levaram o transe coletivo às últimas conseqüências. Nessa última, os presentes entoaram o simbólico verso “I Lost Myself” até que não existisse mais acompanhamento dos instrumentos, até que a linha do baixo de Nude corta o coro e inicia mais um louvor, como uma típica boa canção do Radiohead: melancólica, cortante e bela.

Weird Fishes/Arpeggi continua a saga de apresentar o novo testamento, o álbum In Rainbows na íntegra. A bateria galopante entra em sintonia (ou contraste) com as guitarras compulsivas e vocais desesperados, o descarrego segue forte.

Yorke protagoniza então um maravilhoso freak show de danças epiléticas e espasmos vocais durante The Gloaming, algo que deixou todos dopados durante a sequência, com Talk Show Host e Optimistic. Em Faust Arp, executada apenas com Yorke e Johnny Greenwood nos violões, os fiéis aos poucos vão retomando a consciência. Até que vem mais exaltação com Jigsaw Falling Into Place, Idioteque (com Thom Yorke incitando o público a chacoalhar) e a inesperada, mas não menos mítica, Climbing Up the Walls.

Seguindo o show, enfim, ocorre o primeiro milagre. Os primeiros acordes do violão de Exit Music (For a Film) fazem 30 mil pessoas ficarem em silêncio, algo arrepiante. E acentuando todo o contraste da apresentação, o setlist inicial termina com a roqueira Bodysnatchers, com todos mergulhando de cabeça na psicose dos ingleses.


No primeiro bis, Videotape arranca lágrimas e suspiros, não só pela densidade da música, mas também em saber que a benção ainda não havia terminado. Em seguida, o segundo milagre, Paranoid Android e seus 7 minutos de pura reflexão espiritual. Tensão, pancada, calmaria e tudo que o santo Radiohead pode oferecer a seus seguidores. No fim da música, o público insiste no “Rain down, rain down...”, e em uma atitude atípica, Thom Yorke acompanha o publico com o violão e com sua linha vocal na música, e quando então a canção termina pela segunda vez e o público explode em devoção, o lá maior é seguido por “Her green plastic watering can...”. Fake Plastic Trees entra em cena e atropela os corações mais sensíveis. Foi noticiado por aí que a música não entraria no repertório, mas de última hora foi colocada no lugar de Wolf at the Door.

Lucky encerra a participação do fundamental OK Computer no show e Reckoner encerra o primeiro bis, com Colin e Johnny Greenwood e Ed O’Brien engrossando a percussão de Phil Selway enquanto Thom Yorke capricha na guitarra em contratempo e no vocal em falsete.

Como em uma vigília, lá estava o Radiohead para o segundo bis. Nos primeiros versos de House of Cards, uma garota, aparentemente nova, perto de onde eu estava, repete no ouvido de seu namorado “I don’t wanna be your friend/I just wanna be your lover”. Minha religião não permite contar o que deve ter acontecido com eles depois.

You and Whose Army e Everything In Its Right Place já seriam o suficiente para encerrar a cerimônia e garantir a noite de todos, mas ainda não era a hora. Saem os ingleses de cena mais uma vez e voltam com o terceiro milagre. Creep.

Nesse hino, Yorke passa a bola para Johnny Greenwood, que com seus estrondos na guitarra exorciza completamente todos os demônios de quem permaneceu mais de 10 horas de pé em frente àquele altar em busca de salvação.

De alma lavada, todos saem felizes, um pouco confusos com tudo que acabaram de ver, mas com certeza mudados, para melhor. Então todos seguem a via sacra em procissão para fora do templo.

10 comentários:

Diego Assunção disse...

Amém!

Anônimo disse...

Eu cheguei a ir lá na fila do show, ainda confiante em achar convite ...

Voltei pra casa e liguei no MULTISHOW, eles exibiram o show que a banda fez no RIO DE JANEIRO (até fiz post sobre isso no meu blog) ...

RADIOHEAD "foi por pouco", OASIS não escapa ... valeu, Eduardo, abraços !!

Anônimo disse...

Bom, eu não conheço nada de bandas gringas, a não ser Beatles e Gentle Giant, e aqueles rocks clássicos que todo mundo canta num inglês macarrônico. Mas compartilho com vc essa coisa de ver show bom de artistas que a gente curte muito, pq a gente fica em órbita por uns dias. Bjokas mil

Anderson Augusto Soares disse...

Muito boa comparação, Eduardo.

Você nos passa a impressão de que o show foi mesmo bacana e com tempo satisfatório.

Diego Fernandes disse...

Como diria o Márcio Anix: "Da-lhe Radiohead"

Anônimo disse...

foi a pior perda da minha vida!

Anônimo disse...

8(

Angélica Neri disse...

É só pra quem pode! :P

Diuan Feltrin disse...

Você descreveu o texto com tamanha propriedade que me senti fazendo parte do ritual!
Fantástico!
Não conheço muito o trabalho do Radiohead, mas através de seu post percebi que os caras são bons!

Kari Gabriel disse...

um ano. que saudades!